Tem piada... A "Paixão de Cristo" estreou primeiro em Portugal e só agora chegou á terra onde me encontro emigrada. Por outro lado, o "Belleville Rendez-Vous" estreou há seis meses em Inglaterra e, reparo agora, só chegou a Portugal na semana passada. Nunca percebi muito bem a distribuição dos filmes. Acontece que há seis meses postei sobre este originalíssimo filme de animação francês,
aqui no Travessa. E aqui
reposto o post (sem ser em itálico, porque muito itálico é uma maçada para a vista, não é?):
"[ Sex Set 19, 11:41:54 AM |
Belleville Rendez-Vous (BRV)
Como prometido “ha’ atrasado”, vou descongelar uma posta que tinha para aqui em forma de pequenas notas e que, por falta de tempo, ainda nao me tinha dado ao trabalho de alinhavar. Dai haver partes com acentuacao perfeita e outras nem por isso (2 teclados diferentes).
Hoje e’ sexta-feira, dia de estreias no cinema. Aqui vai, pois, uma sugestao, embora nao saiba se Belleville Rendez-Vous (Les Triplettes de Belleville, no original frances) ja estreou em Portugal ou noutros paises que nao o Reino Unido.
O novo filme animado de Sylvain Chomet é comovente, hilariante e tão francês que se consegue sentir o sabor de Brie. Trata-se de uma producao Franco-Belga-Canadiana, infinitamente inventiva e deliciosamente negra. Esquecam os preconceitos habituais dos desenhos animados terem as criancas como publico-alvo. A sofisticacao macabra deste filme notavel e’ talvez areia demais para a camioneta dos petizes.
Sendo uma referência brincalhona aos filmes de Jacques Tati, com umas leves (muito leves) pinceladas de Betty Boop e de, há quem diga, 101 Dálmatas, é possivelmente dos filmes mais originais dos últimos tempos. Se existisse alguma justiça no mundo, este seria um filme a ser oscarizado. BRV não segue nenhuma das regras a que estamos habituados, sobretudo se o compararmos ao mundo Disney. Apresenta um estilo de narrativa completamente novo, assim como um estilo visual tão original, que permanece na memória até muito depois de ter passado a ficha técnica (conselho: ficar até ao final da ficha técnica, para uma pequena surpresa). BRV tem a pungência de Amelie de Jean-Pierre Jeunet, mas é um pouco menos inocente. Tanto a animação em si como a história são ricas em pormenores e excentricidade .
O realizador Sylvain Chomet oferece-nos maravilhosos momentos, em que o absurdo impera. Veja-se o climax com a perseguicao de carros em praticamente camara lenta e as personagens grotescas, que dificilmente poderiam ser tranformadas em bonecada para a criancada e oferecidas em Happy Meals.
A história centra-se na diminuta Madame Souza (eu nao vou dizer a nacionalidade dela; os pormenores da animacao dao-nos a resposta), que vive apenas com e para o seu neto, um rechonchudo e tristonho órfão. A “Sadona” Souza tenta de tudo para despertar no neto algum interesse por qualquer hobby que seja. Compra-lhe até um fiel cachorrinho, o Bruno (que, na verdade, pelos detalhes da animação, se conclui que é uma cadela), que acaba por ser a perspectiva através da qual vemos a história. O rapaz acaba por desenvolver uma paixão (exarcebada) pelo ciclismo, começando pelo triciclo até se tornar um campeão que entra na Volta a França em Bicicleta, graças aos treinos obsessivos da sua
personal trainer, Madame Souza. Quando Champion e’ raptado pela mafia francesa e levado para a grande metropole Belleville, a avo’ e Bruno (cao que sofre de obesidade cronica e de sonhos profeticos) iniciam uma verdadeira odisseia em sua busca. E’ na tal metropolis francofona, que poderia ser uma qualquer Nova York, mas com arranha-ceus em estilo gotico, que Dona Souza conhece as trigemeas de Belleville, cacadoras de ras, outrora grandes estrelas do
music hall, mas agora um pouco em decadencia.
Satira aos tempos modernos, da lufa lufa diaria, do transito infernal, da desumanizacao citadina, do
fast food, da obesidade e do crime organizado, e’ tambem uma nostalgica visao do
modus vivendis da velha Galia. E como sobrevive alguem ainda tao enraizado ao antigamente num meio tao metropolitano e desumanizado? Vence aqui a inventividade, a obsessao, a ternura e a lealdade, contra todos os traumas de infancia (sim, ate’ Bruno tem traumas de infancia) e conflitos entre o velho e o novo. E a pequena e roliça Madame Souza, com uma perna maior do que a outra, e’, possivelmente um tipo de heroi que jamais nos passaria pela cabeca que existisse. A verdadeira campea desta historia e’ esta rija idosa portuguesa (pronto, afinal disse a nacionalidade), avo’ incansavel e babosa do seu netinho. Um hino ‘as avos portuguesas.
E’ um filme em que se sente tanto este enfoque nas relacoes entre o velho e o novo, que as personagens, desenhadas a tinta e caneta, sao a duas dimensoes e postas em cenarios computadorizados a tres dimensoes. Este estilo visual, ao mesmo tempo naive e sofisticado, esta a milhas de distancia do estilo de animacao Disney ou Manga. Que bom que e’ ir ao cinema e ainda sermos surpreendidos!
A Travessa aconselha. Brilhante (****).
RESUMO:
O filme tem: Josephine Baker dançando ao som de Django Reinhart (ate' que um bando de macacos endiabrados lhe rouba a saia feita de bananas); Fred Astaire e os seus agressivos sapatos; um cao com pesadelos sobre viagens de comboio; uma velhota que usa granadas para cacar ras; mulheres de cabaret que usam um frigorifico, um jornal, um aspirador e uma roda de bicicleta como instrumentos musicais; uma perseguicao que desafia as leis da gravidade; um sketch comico depois da ficha tecnica; e muito mais. "