Igbo child’s doll
A conviccao ocidental de que os homens dominam e sempre dominaram as mulheres passa de geracao em geracao, tal qual um gene letal. Mas sera' isto realmente verdade? Ou melhor, tera' isto sido SEMPRE assim?
Mas antes de continuar...
AVISO: isto e' um post longo, formato XL. Recomenda-se: imprimir e ler no fim-de-semana, 'a falta de programas melhores.
Ontem prometi ao
Andre' que lhe tentaria explicar por que e' que nao concordava com a sua afirmacao
"
Desde que o mundo é mundo que a mulher é oprimida das mais diversas formas em todas as culturas de todos os continentes. (ler post de ontem,
"Filipe Matamouros"). Nem com esta: "
Temos o privilégio de viver numa sociedade mais livre porque a circunstancia histórica ditou que essa libertação começasse por aqui (...)" Nao que eu nao ache que a mulher continua a ser oprimida de varias formas, em diferentes lugares (inclusive "aqui"). Nao que eu nao ache que as mulheres tenham ganho mais liberdades nos ultimos anos, aqui no Oeste. Nao que eu esteja a favor da proibicao do veu islamico nas escolas francesas (que nao estou). O problema e' que eu nao acredito no linearismo historico e, portanto, tanto nao acredito que "as coisas dantes e' que eram boas" e que tudo tende para o pior, nem acredito que as coisas foram evoluindo do pior para o melhor. A historia nao e' uma recta. Ate' porque ha muitas historias. Curvas. Estorias...
Lembrei-me de um livro que li ha' muito tempo,
Fisher, Helen (1992). Anatomy of Love: A Natural History of Mating, Marriage, and Why We Stray. London: Simon & Schuster (ha' uma traducao em Portugues de Portugal e outra do Brasil), em particular do capitulo #11 ("
Women , Man, and Power: The Nature of Sexual Politics, pp. 209-226"). Reli apontamentos. Vou dar o exemplo dos Igbo, tribo nigeriana, antes e apos a colonizacao britanica. Dou-vos primeiro uma "imagem", em forma de texto:
“
Tens of thousands of women, their faced smeared with ashes, wearing loin-cloths and wreaths of ferns, poured from villages across South-eastern Nigeria one morning in 1929 and marched to their local ‘native administration’ centres. There the district’s British colonial officers resided. They congregated outside these administrator’s doors and shook traditional war sticks, danced, ridiculed them with scurrilous songs, and demanded the insignia of the local Igbo men who had collaborated with this enemy. At a few administration centres women broke into jails to free prisoners; at others they burned or tore apart native-court buildings. But they hurt no one.
The British retaliated, opening fire in two centres, slaughtering sixty women. So ended the insurrection. The British ‘won’.” (Fisher 1992: 209)
“
History often records the words of victors, and this ‘women’s war’, as the Igbo called it, soon acquired its British name, the Aba Riots.” (Van Hallen 1976 in Fisher 1992: 209-210).
Os britanicos nunca compreenderam bem as razoes desta guerra – que tinha sido integralmente orquestrada por mulheres e para as mulheres. A nocao de violacao dos direitos das mulheres estava para la’ do seu entendimento. A maioria dos oficiais britanicos pensaram que os homens Igbo tinham organizado esta manifestacao e depois levado as suas mulheres a revoltarem-se. Os oficiais pensavam que as mulheres Igbo tinham feito disturbios porque estas pensavam que os britanicos nao disparariam contra o sexo mais fraco (Van Hallen 1976 in Fisher 1992: 210).
Tem havido um profundo mal entendido europeu em relacao ‘as mulheres, homens e poder nas outras culturas.
Durante seculos, estas mulheres (Igbo), tal como muitas mulheres doutras sociedades da Africa Ocidental, foram autonomas e com poder, economica e politicamente. Viviam em aldeias patrilineares onde o poder era informal. Qualquer pessoa podia participar nas assembleias da aldeia. Os homens controlavam a terra, mas depois do casamento o marido era obrigado a dar ‘a mulher parte da sua propriedade para ser cultivada. Esta terra era a conta bancaria da mulher. As mulheres cultivavam varios tipos de plantacoes e levavam os seus produtos para os mercados locais, geridos exclusivamente por mulheres (Van Allen 1976; Okonjo 1976; Fisher 1992: 210).
As mulheres tinham, portanto, liberdade financeira, poder economico. Se um homem pusesse o seu gado a pastar nos campos da mulher, ou a maltratasse, ou violasse o codido de Mercado, ou cometesse outro crime serio, as mulheres fariam o que poderiam tambem fazer aos administradores britanicos: iriam a casa do criminoso, insultariam, ‘as vezes destruindo tambem a sua casa. Os homens Igbo respeitavam as mulheres: o seu trabalho, os seus direitos, as suas (das mulheres) leis.
Chegam os britanicos. Em 1900, a Inglaterra declara a Nigeria como seu protectorado e instala um sistema de areas de tribunais de nativos (native-court areas). Cada distrito era governado por um oficial colonial britanico, o que era muito impopular entre os Igbo. Depois, os Brits nomearam um representante de cada aldeia, um chefe nomeado, e meteram um em cada tribunal do nativo de cada distrito. Muitas vezes era um jovem Igbo, que, por alguma razao, tinha agradado aos conquistadors, em vez de ser um anciao respeitado pelos Igbo. Enraizados na crenca vitoriana de que as mulheres eram os apendices dos seus maridos, os Brits nao conseguiam conceber as mulheres em posicoes de poder. Excluiram, entao, as mulheres, uma a uma. As mulheres Igbo perderam, assim, a sua voz. (Fisher 1992: 210-211)
Em 1929, os Brits decidiram inventoriar os bens das mulheres Igbo. Temendo ter de pagar taxas, as mulheres reuniram-se nas suas pracas, para discutir esta accao economica estropiante. Estavam prontas a rebelar-se. Vestiram roupas tradicionais de batalha e foram para a guerra. Eram dezenas de milhares delas.
Depois da sua revolucao falhada, as mulheres pediram para, tambem elas, poderem ser representantes da aldeia nos tribunais de nativos. Em vao. Para os Brits, o lugar de uma mulher era em casa (Fisher 1992: 211).
Ha' tambem o caso dos aborigenes australianos. So’ a determinada altura e’ que os investigadores (antropologos e afins) se aperceberam que as mulheres aborigenes australianas tinham poder politico e comecavam a escolher novos maridos quando entravam na meia idade. Arranjavam amantes. E a contribuicao economica das mulheres era vital no dia-a-dia. Embora as actividades das mulheres estivessem geralmente separadas das actividades dos homens, as aborigenes australianas pareciam deter tanto poder como os homens. Como o post ja' vai longo (e eu nao quero tornar isto numa coisa tipo peixe-espada - longa e chata), mais referencias sobre os aborigenes aqui: Kaberry (1939); Goodale (1971), Berndt (1981); Bell (1980); cf. Fisher (1992).
Mas, resumindo, nenhum dos sexos dominava – um conceito que parecia ser completamente alienigena aos olhos dos investigadores ocidentais. A analise cientifica de outros povos era (ou e' ainda?) “colorida” com uma obcessao pela hierarquia, a par com crencas bem enraizadas em relacao aos generos (Fisher 1992; 212).